top of page

ENTREVISTA: Abuso e assédio contra mulheres são práticas recorrentes no meio militar


(Foto: Matheus Dutra)

Pela sua experiência pessoal, ainda há machismo ou sexismo dentro desse ambiente? Algum tipo de preconceito externo, de civis, ou de colegas de trabalho?


F.A*: Com toda certeza! Não percebo tanto esse preconceito por parte da população quando estou na rua de serviço, porém de colegas de trabalho, pares e superiores, é corriqueiro.


Esse preconceito se manifesta em que ocasiões? Abuso de autoridade, falta de respeitos por parte dos pares pelo simples fato de ser mulher, chega até o nível de assédio?


F.A: Bom, na Guarda Municipal temos uma ordem hierárquica, o nível mais alto é inspetor. Por diversas vezes presenciei inspetores e seus auxiliares fazendo escalas e dizendo coisas do tipo "Pra quê vou querer uma mulher na viatura?". Das mulheres se esperava que fosse feita a limpeza das áreas comuns, agora que estão separadas as áreas eles dão um jeito de limpar. Já vi alguns casos muito graves, até comecei a organizar um ciclo de palestras sobre esse mesmo tema, mas lá não colocaram pra frente


Pode dizer alguns desses casos?


F.A: Um deles foi assim: Tem um grupamento lá que faz educação física na base da Guarda duas vezes por semana. Era sagrado esse dia porque eles sempre jogavam futebol. Num desses dias estava tendo ameaça de greve da categoria e transferiram as viaturas e armas pra outro lugar, consequentemente, tinha que ter guardas pra fazer a segurança desse local.


Mas todos os guardas homens desse grupamento queriam jogar e só havia duas mulheres no grupo. Os homens foram liberados para ir ao jogo e as mulheres ficaram sozinhas nesse outro lugar, fazendo a segurança de armas, viaturas e munições, sendo que nem uma das duas era operadora de arma.

Elas tiveram que esperar o jogo acabar pra alguém ir buscá-las. Lá, uma Guarda tem dificuldade de ser liberada cedo se fizer faculdade, por exemplo, mas um guarda não tem pra ir jogar futebol.


No caso de sua colega que acabou tendo um desfecho trágico, os responsáveis continuam exercendo normalmente suas funções mesmo tendo agido de maneira errada colocando uma grávida em situação de risco?


F.A: Totalmente! Eu fui "depor" no núcleo biopsicossocial. Um deles foi chamado, mas ficou por isso mesmo. Continua no comando. Os envolvidos continuam lá, na mesma posição de comando, recebendo suas gratificações, sem ter a mínima preparação para isso. Depois disso queria conseguir uma palestra sobre as mulheres na segurança pública para os homens, porque lá teve uma mas era só para mulheres. Os homens que precisavam ouvir isso!

 

"Mulheres são prejudicadas todo dia pelo fato de serem mulheres"

 

E com você o setor é mais respeitoso, ou já houve situações ruins também?


F.A: Teve um tempo que eu estava separada. Souberam de alguma maneira e começaram a ter essas entradas da mesma forma. Todos meus supervisores. No mesmo dia foram 3 e ainda mencionaram sutilmente o fato de serem subs, como se serem meus superiores hierárquicos lhes concedesse alguma vantagem.


Eu saí desse setor justamente porque não aguentava mais ver essas coisas, mulheres são prejudicadas todo dia pelo fato de serem mulheres. Uma amiga que ainda trabalha lá me contou esses dias de uma Guarda que perdeu a vaga no curso de trânsito porque o comandante disse que chamasse o próximo. O critério era pra ser antiguidade e ele passou para o próximo por ela ser mulher! Pra ele, serviço de mulher é esse administrativo mesmo.


Acha que essa omissão por parte de algumas mulheres pode ser fator que impulsione os casos a continuarem?


F.A: Acho sim! Eles ficam à vontade e a própria instituição naturaliza tudo isso.


Acha que de certa forma, estar casada impõe um mínimo de respeito a mais e, obviamente, não à mulher, mas ao marido?


F.A: Exatamente! Eles falavam assim: Agora que você está solteira, quando vamos sair pra tomar uma cerveja? E eu disse que não bebia. “Pois então vamos almoçar agora”. Começou assim e na verdade, não parou. Eu entrei de férias e depois não quis mais voltar para o setor.


Acredito que a maioria das mulheres que querem ingressar no meio da segurança pública não saiba da barreira preconceituosa que existe nesse ambiente, como nos casos que você citou. Dito isso, você tem algum conselho que pode ser dado a quem entrar ou a quem quer fazer parte em relação aos direitos humanos, sobre modo de se portar, enfrentar ou viver essas coisas?


F.A: Eu gostaria de dar um conselho empoderado do tipo "Não se calem!", mas na prática o que eu vi é que isso não funciona. Não adianta denunciar porque estamos sozinhas. Na verdade, temos umas às outras. O conselho que eu daria era para que as mulheres na segurança pública se fortaleçam primeiro. Formar uma rede informal mesmo de apoio, para que cada mulher saiba que tem alguém com quem contar, que não sofra achando que está louca ou que provocou aquilo. Somente quando houver essa força entre nós, uma denúncia pode realmente ir pra frente.


*Fonte Anônima

FOLLOW ME

  • Black Facebook Icon
  • Black Instagram Icon
  • Black YouTube Icon

RECEBA UPDATES

POPULAR POSTS

TAGS

Nenhum tag.
bottom of page