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Abuso e assédio contra mulheres são práticas recorrentes no meio militar

Policiais femininas são constantes alvos de assédio moral e sexual, colocando em evidência o machismo da sociedade cearense dentro das instituições públicas

Em 2017, mulheres ainda são minoria na Polícia Militar(Foto: Matheus Dutra)

Existe um debate que parece não ter fim no Brasil: Violência contra mulher. Essa pauta está sempre em questão, porém é constantemente ignorada. O sexismo e o autoritarismo machista estão presentes em vários âmbitos da sociedade e principalmente nas instituições de segurança pública, que é onde ocorrem os assédios que ninguém vê e nem ouve.


Muitas mulheres querem entrar na Polícia Militar, seja por afinidade com a carreira ou por buscar estabilidade financeira, no entanto, as vagas são poucas e os desafios são muitos. O Ceará, por exemplo, é o segundo estado do Brasil com menor número de mulheres na PM, com apenas 3%, e foi o penúltimo a adotar uma turma feminina na corporação, sendo o machismo e sexismo marcas recentes na história da companhia.


Joana da Silva*, policial formada na primeira turma feminina da PM-CE, em 1994, revela que no começo o abuso por parte de companheiros pares era recorrente, fossem eles casados ou solteiros e, na maioria das vezes, era assédio sexual. “Como a gente era novidade, eles achavam que podiam qualquer coisa, que a gente era fácil”, relata Joana, em entrevista na qual pediu anonimato.


Houve uma peculiaridade na formação da turma feminina de 94, que foi a ascensão das 20 primeiras colocadas do curso para soldado à posição de cabo. Joana diz que sentiu o preconceito por parte de alguns soldados antigos que se recusavam a acatar autoridade de uma mulher nova. “Não vou aceitar ordem de mulher, é o que eles diziam”, relata.

 

"Se a PFem quiser ser aceita pela equipe de trabalho dela no dia a dia, ela tem que se tornar homem no serviço"

Elano Mota, 23

 

Os civis não apresentam hoje tanto preconceito para com as policiais, é o que ela diz ao narrar, em tom de humor, um fato ocorrido enquanto estava na sua rota normal de trabalho. “A gente chegou no local do chamado, descemos do carro e aí quando a mulher que chamou nos viu, e disse: Chamei a polícia e é isso que mandam? Mas depois vimos que tinha um homem muito forte descontrolado e precisaríamos de reforço mesmo”, disse a policial veterana.


Dados recentes apontam que 40% das mulheres militares se dizem vítimas de assédio moral ou sexual. O que mais assombra é que, na maioria dos casos, o assédio vem por parte dos companheiros e acontece no próprio local de trabalho por pessoas hierarquicamente superiores. Em contrapartida a isso, apenas 11% dessas mulheres denunciam os casos de abuso.


O sistema de segurança pública do Nordeste em geral ainda não é totalmente abraçado por leis que amparem o servidor. Segundo dados da Pesquisa “Vitimização e percepção de risco entre profissionais do sistema de segurança pública”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2015, 69,6% das mulheres que trabalham na área de segurança já sofreram assédio ou humilhação no trabalho.


O concurseiro Elano Mota, 23, diz já ter ouvido muitas histórias a respeito da PFem e que o assédio, pelo que ele sabe, é de fato real. “Já tive professores militares, e um deles já me disse que se a PFem quiser ser aceita pela equipe de trabalho dela no dia a dia, ela tem que se tornar homem no serviço, existe tanto o assédio quanto a discriminação”, relata Elano.


Outro detalhe que Elano fala é sobre a escolha de cada mulher para serviço. “Quando há concurso que tem PFem nova entrando, tem comandante que escala as bonitas pra serviço administrativo em troca de relacionamento, muitas aceitam. As que não aceitam vão pra rua mesmo”, diz ele, ao retratar as histórias que já ouviu de amigos que exercem a profissão ou dão aulas para quem aspira uma vaga na PM.


Mesmo mediante dessa situação de constante exposição à violência, a policial Joana relata que, no curso de formação, os policiais oficiais de Brasília, que eram responsáveis pela turma, enfatizavam o lugar da mulher na instituição. “Elas diziam que nós não entramos na polícia para servir cafezinho não e sempre afirmavam: Vocês são policiais iguais a todos os outros que estão aí”, disse Joana.


Enquanto isso na Guarda Municipal de Fortaleza...

A violência não se restringe ao corpo da Polícia Militar, a mulher corre perigo constantemente também na Guarda Municipal. Apesar de ter um número maior de vagas para mulheres, 20% das 1.000 vagas disponíveis, o corpo feminino dessa instituição não sofre menos. Em uma entrevista anônima, uma funcionária atuante da GM de Fortaleza nos revelou um pouco do que já viu em seu ambiente de trabalho.


Entre as histórias contadas pela fonte que preferiu não se identificar, uma é marcante e revoltante ao mesmo tempo. F.A fala que durante os ataques ao prédio da GM de Fortaleza, em janeiro de 2017, houve um incidente que seria fato determinante na carreira de uma colega de trabalho. Essa mesma perdeu entrou em processo de aborto após ser colocada em posto de risco mesmo estando grávida.

(Foto: Matheus Dutra)

Em relatos, F.A revela que a vítima já havia acertado tudo para ficar em um setor mais tranquilo, o de armamentos e que não se esforçaria muito. No entanto, por os próprios companheiros de trabalho incentivaram o comandante para que ela trabalhasse normalmente. "Gravidez não é doença, disseram e o resultado foi que um dos comandantes resolveu colocá-la pra fazer a segurança da base”, relata F.A.


O novo local de serviço então da colega foi decidido e o fim da história foi um bate-boca entre colegas que faziam piadas com a situação. E daí gerou-se um mal estar físico. “Bateram boca e ela passou o dia com dor de cabeça e cólica. Durona, quis cumprir o horário pra não dar mais motivo pra falarem. No fim do dia ela foi ao médico e tinha entrado em processo de aborto”, narra, com tristeza, o fato ocorrido a integrante da guarda F.A.


Em uma tentativa de aconselhar as mulheres que desejam entrar para a área da segurança pública de maneira geral, F.A diz que as mulheres precisam se unir dentro das corporações e mostrar que o assédio é real. “O conselho que eu daria é para que as mulheres na segurança pública se fortaleçam primeiro. Formar uma rede, informal mesmo, de apoio para que cada mulher saiba que tem alguém com quem contar, que não sofra achando que está louca ou que provocou aquilo”, disse F.A.


Acompanhe a entrevista completa.

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