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As incertezas e os desafios de ser uma “mulher da vida”

Por trás de seu nome de guerra, Karla relata vivências mais marcantes como uma prostituta, o preconceito da sociedade e a realidade do mundo da prostituição


Olhares de julgamento, sussurros e constrangimento são alguns dos comportamentos que Karla percebe nas outras pessoas, quando está acompanhando algum cliente. É comum ser procurada por homens para acompanhá-los em saídas pelos bares de Fortaleza. Ela conta que, na maioria das vezes, são homens mais velhos, e fica perceptível que ela é uma garota de programa. “Ah, duvido que esse cara não tá pagando”, é o que elas acham que os outros pensam e a olham como se ela estivesse fazendo algo errado.


Natural da Paraíba, Karla começou a fazer programa quando ainda tinha 19 anos, depois que a mãe faleceu. Buscando uma vida melhor e a independência financeira, encontrou na prostituição uma fonte de renda. Hoje com 28 anos, acumula diversas histórias. Em uma delas, foi até ameaçada de morte. Durante o encontro, o cliente se recusou a pagar depois da relação sexual. O homem a mandou embora, porém ela continuou firme e disse que só sairia depois do pagamento pelo trabalho. Ele, então, ameaçou jogá-la pela sacada do prédio. No momento de tensão, ela pegou um vaso para arremessar no rapaz. A situação só se resolveu porque o irmão do cliente, que também estava no apartamento, se propôs a pagar pelo programa.


Algumas vezes é contratada para ouvir desabafos, para ver garotos usando drogas, e garante que não é usuária. Karla conta que já teve que transar com homens contra a vontade. Mesmo sentindo nojo, ela teve que atender o cliente porque ele ia pagar pelo serviço e ela precisava do dinheiro.


Quando perguntada se sente vergonha de lucrar com o próprio corpo, ela garante se sentir envaidecida. “É dez vezes melhor, porque ele usa o teu corpo, mas está pagando, me sinto valorizada. Ele quer tanto, que paga para ter. É como diz o ditado: o que você não pode ter, o dinheiro vai lá e compra”, afirma Karla.


A moça não tem um ponto fixo na rua como outras garotas. “Faço uma diária como bargirl às vezes. Chega um cliente no bar, começa a paquerar contigo, conversa vai, conversa vem, quando vê já foi”. A ninfeta, como gosta de ser chamada, encontra clientes também quando vai para alguma boate. Lá, os homens pegam seu número ou já vão para um lugar reservado. Karla costuma ir para as entradas de motéis, onde o fluxo de homens à procura é maior. “Não fico na rua, na esquina é perigoso”, completa.


Com o dinheiro que ganha fazendo programas, consegue se sustentar e ainda mandar ajuda financeira para a família que vive no interior. Karla tem medo da reação dos familiares, por isso esconde sua verdadeira ocupação. O valor do programa varia em média de 150,00 a 200,00 reais. Segundo ela, em um período de férias com intenso fluxo de turistas, uma mulher pode ganhar até 4.000 reais por mês, se trabalhar diariamente.


Quando começou, Karla trabalhava todos os dias. Hoje, com quase dez anos no ramo, só faz programas quando está disposta, e declara que já pensa em parar. “Tanto pelo olhar da sociedade, o jeito que o povo te vê e porque também tem uma hora que cansa (…) eu quero abrir um negócio pra mim, eu não quero ficar velha fazendo isso, eu pretendo fazer uma família e ter filhos”.


Muitas profissionais do sexo não sabem que a prostituição é reconhecida como uma profissão pelo Ministério do Trabalho, desde 2002. Às vezes, ingenuamente, esquecem que existe uma linha tênue entre exploração sexual e prostituição. A exploração acontece quando usam o corpo de terceiros para gerar lucros. O ato é muito comum no Brasil, principalmente nos lugares mais carentes. A pena para o crime pode chegar a até quatro anos de prisão. Existe o Projeto de Lei Gabriela Leite para a modificação do Código Penal, onde as duas aparecem associadas. O objetivo do projeto é dar mais segurança para as prostitutas e também garantir direitos para a classe.

Bastidores da prostituição

Neste mercado, existe outra forma de renda além do sexo. Muitas garotas, que são prostitutas, costumam migrar do interior para a capital ou optam por sair da casa dos pais. É aí onde surge a possibilidade de lucro: o aluguel de quitinetes. Maria Lúcia dos Santos, 52, é proprietária de duas quitinetes no Bairro Tancredo Neves, próximo à Cidade dos Funcionários. Ela aluga os pequenos imóveis para jovens mulheres que estão há pouco tempo no ramo. Vitória e Priscila, 22 e 20 anos respectivamente, são as inquilinas atuais.


Maria Lúcia, natural de Juazeiro do Norte, entende bem a realidade das jovens. “Eu também vim do interior e tive que sair com homens por dinheiro para me sustentar”. Ela garante que se prostituiu por pouco tempo, depois morou de favor com uma amiga e começou a trabalhar como diarista. Anos depois casou-se e juntou dinheiro para construir as duas quitinetes próximas à residência.


No começo, o marido de Maria Lúcia não aprovava a ideia, demonstrando um certo preconceito. Assim como os vizinhos que, segundo ela, sempre tiveram receio de conviver com a realidade de ter uma prostituta na casa ao lado. “Eu sempre digo que não gosto que os clientes vão pra lá. Dificilmente elas aparecem com homem aqui. Eu e meu marido nunca tivemos nenhum problema com elas”, completou Maria Lúcia.


Histórias como as de Karla, Vitória e Priscila são comuns por Fortaleza. Nas esquinas da Beira-Mar, pelo entorno do Dragão do Mar, nas periferias e nas ruas desertas, sempre há prostitutas, garotas de programa e travestis. Por trás das roupas curtas e maquiagens marcantes há histórias para contar, sonhos interrompidos e uma vida incerta.

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